ATL 2017 – A maior mobilização nacional dos povos indígenas em cenário de retrocesso

Na semana de 24 a 28 de abril de 2017 aconteceu a maior mobilização nacional do movimento indígena, o 14º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. O acampamento reuniu mais de 4 mil indígenas de mais de 200 povos de todas as regiões do Brasil, superando a expectativa da coordenação do evento de 1,6 mil lideranças acampadas. Foi a maior mobilização da história do ATL. Uma reação forte ao cenário de grave ataque aos direitos indígenas.
A repressão sofrida pelas lideranças indígenas que depositaram caixões nos espelhos d’água do Congresso Nacional, em luto por indígenas mortos, em protesto pela ineficácia da política indigenista, foi uma mensagem clara de um governo que não está aberto para o diálogo. O aparato policial usado contra lideranças indígenas de todo o Brasil, em especial as do Ceará, deu a tônica da relação de violência que se reproduziu nos dias seguintes do acampamento.
Na terça-feira (25/04), as bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral explodiram no Congresso. Na quarta feira, 26 de abril, o acampamento foi sitiado por um forte policiamento, cercando as delegações acampadas vizinhas do estacionamento do Teatro Nacional. Isso aconteceu depois de a delegação de 60 lideranças indígenas composta na plenária do ATL ter sido intimidada, pelo policiamento durante o trajeto até o Senado Federal para uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e de ter sido impedida de entrar sob a justificativa de pouco espaço. A coordenação dessa delegação recusou a entrada de 20 lideranças, optando por retornar ao acampamento e informar as demais lideranças desse impedimento.
O policiamento de operações especiais, a cavalaria, o choque, a força nacional estiveram mobilizadas a partir desse momento e na marcha da quinta-feira, 27 de abril, aos Ministérios da Justiça, da Saúde e da Educação para protocolar o documento final do ATL 2017


Os Sinais de repressão já eram visíveis ainda na montagem das barracas quando alguns carros de departamentos de polícia fotografavam o acampamento e passavam informações aos seus superiores à luz do dia. Um aparato de guerra mediou de forma desproporcional e intimidadora a relação entre as lideranças indígenas partícipes do ATL e o Estado brasileiro. Ficou claro que não há diálogo com o Poder Executivo para a efetivação do direito originário.
Apesar desse cenário, houve audiência na tarde do dia 27 de abril no Supremo Tribunal Federal (STF) com lideranças indígenas que puderam se manifestar contrárias a tese do marco temporal. Da comissão do Ceará que participou desse momento, destaca-se o advogado Tapeba Ricardo Weibe.
Delegação do Ceará
A delegação do Ceará, composta por 55 lideranças indígenas, saiu de Fortaleza com destino a Brasília no dia 22 rumo ao maior evento indígena do país. Após 40 horas de viagem, representantes dos povos Anacé, Gavião, Jenipapo Kanindé, Pitaguary, Potiguara, Tabajara, Tapeba, Tapuya Kariri, Tremembé e Tubiba Tapuya, desembarcaram na capital do país para participar do Acampamento Terra Livre (ATL) e reencontrar parentes de todo o Brasil para debater e discutir a situação atual dos povos indígenas brasileiros.
Sucateamento da FUNAI
A redução do orçamento da União causou reforma no estatuto da FUNAI de modo a extinguir 347 cargos, fechando 51 Coordenações Técnicas Locais (CTLs) em todo o Brasil, dentre elas uma no Rio Grande do Norte (RN) e outra no Piauí (PI). Além do corte orçamentário do órgão indigenista oficial atingir a cifra de 40%, indicações políticas da bancada ruralista, em especial advindas do Partido Social Cristão (PSC), que optou por controlar a FUNAI em razão do apoio ao impedimento, causam tensão entre o movimento indígena e servidores das Coordenações Regionais (CR) e com a presidência do órgão. Esse é o caso do Mato Grosso do Sul e o caso do Ceará, cuja ocupação da CR Nordeste (NE) II está em curso desde o dia 20 de março.
A delegação do Ceará, que ocupa a CR NEII, para pressionar o Ministério da Justiça (MJ) a exonerar coordenadora indicada por deputado federal ligado ao agronegócio no estado, participou, no dia 26 de abril, de audiência com o Presidente da Funai para tratar sobre a exoneração da senhora Tanúsia Maria Vieira.
O cenário de retrocessos.
O retrocesso político que vem ceifando direitos sociais, fragilizando ainda mais direitos humanos que protegem e assistem as minorias e a diversidade cultural e de gênero no Brasil ganhou forma de avalanche após a concretização do impedimento da ex-Presidente Dilma Roussef. Fruto de movimentação política do corpo parlamentar mais conservador da história recente da recente democracia cidadã brasileira. O projeto “Ponte para o Futuro” produzido nas coxias da cena política nacional vem pressionando, com vantagem significativa, reformas trabalhistas e previdenciárias, subsequentes à aprovação do teto de gastos para o orçamento público. Não demorou para apoiadores do impedimento perceberem que a Ponte é, na verdade, um túnel sem luz e em declive.
Medidas anti-indigenas
Projetos de Leis (PLs), Decretos Presidenciais (DP), Projetos de Emendas Constitucionais (PECs), Portarias, dentre outros instrumentos legislativos e administrativos vêm, há alguns anos, fragilizando o acesso a políticas indigenistas que asseguram a saúde indígena, a educação diferenciada, e, principalmente, a demarcação de territórios indígenas e o usufruto exclusivo dos recursos naturais neles contidos. A obrigação do Estado em proteger os territórios indígenas na verdade vem dando vazão para as pautas do agronegócio, das indústrias de exploração do solo e de energias renováveis. A violação dos territórios indígenas é constante e grave por ferir a Constituição Federal de 1988 e a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
ADELCO Presente
ADELCO participou do Acampamento Terra Livre 2017 em Brasília. Em mais uma ação do Projeto Urucum (Realização ADELCO e ESPLAR com financiamento da União Européia), a ADELCO acompanhou a programação. O antropólogo Ronaldo Queiroz foi para Brasília junto com a delegação de indígenas do Ceará. Durante os dias de atividades do Acampamento Terra Livre, a ADELCO participou:
– Dia 24 de abril – Plenária de acolhimento à tarde e de abertura à noite
– Dia 25 de abril – Manhã – Cobertura do seminário na Procuradoria Geral da República (PGR), no auditório Juscelino Kubitschek. Tarde – cobertura da marcha até o Congresso Nacional, ato com caixões que simbolizaram a morte da política indigenista, o anti-indigenismo crescente no Congresso Nacional impresso nos parlamentares da direita conservadora, o genocídio contra diferentes povos do Brasil em especial o povo Guarani Kaiowá, o luto dos povos indígenas das lideranças mortas no país. Os caixões foram depositados por dezenas de lideranças nos espelhos d’água do Congresso Nacional.
– Dia 26 de abril – Acompanhamento da audiência com o presidente da FUNAI, registro fotográfico e em vídeo. Na tarde desse dia, cobertura da aprovação das monções e das denúncias na tenda principal do ATL sobre a truculência da PM do DF para com a comissão de 60 lideranças indígenas que foram ao Senado Federal para uma audiência, a qual fora frustrada por essa ação repressiva. Registro do acampamento sitiado pela PM do DF com viaturas e cavalaria.
– Dia 27 de abril – Manhã – Acompanhamento da conversa com o Defensor Público Dr. Francisco Nóbrega, o qual informou que a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) um pedido de medidas cautelares contra o Brasil por violação ao direito originário do povo Tapeba ao território tradicional, isso em razão de decisão judicial em primeira instância em favor do despejo de 80 famílias da área indígena de nome Trilho, no município de Caucaia, Ceará. Nessa mesma manhã, acompanhamos conversa com a Deputada Federal Luizianne Lins (PT) com foco na proximidade entre o mandato dela e movimento indígena e pedido de fala em tribuna sobre o desmonte da FUNAI no Ceará. Na tarde desse dia, foi feita a cobertura da marcha aos Ministérios da Saúde, Justiça e da Educação para protocolar o documento final do ATL 2017. Nesse mesmo período algumas lideranças indígenas protocolaram uma carta na sede da FUNAI que solicita à presidência do órgão indigenista oficial a exoneração da senhora Tanúsia Maria Vieira, que foi nomeada para a Coordenação Regional Nordeste II por indicação política de Deputado Federal ligado ao agronegócio no Ceará. Em anexo a essa carta foi a nota de apoio de parceiros e apoiadores à Ocupação da CRNEII da FUNAI em Fortaleza. Na noite do dia 27 de abril a delegação retornou para o Ceará, chegando no sábado à tarde, 29 de abril.
Durante todo o evento, estivemos na colaboração da cobertura fotográfica do Acampamento Terra Livre. Além disso, foram feitos e encaminhados fotografias editadas para as lideranças indígenas do Ceará e para a APIB.

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