Mulheres indígenas do Ceará lideram a busca por direitos e combatem feminicídio nas aldeias

Por Comunicação Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria.

Arte: Esplar

Como uma árvore que precisa ser desentortada para erguer-se. Esta é a simbologia que a líder Pitaguary, Ana Clécia Souza Nascimento, encontra para explicar a luta das mulheres indígenas por liberdade e representatividade.

Criadas sob o peso de costumes repressores, que as calavam e apartavam das rodas de decisão nas aldeias, as mulheres Tapeba, Tabajara, Potyguara, Pitaguary, Tremembé, Anacé, Kanindé e de diversas outras etnias do Ceará têm desafiado os preconceitos e encontrado espaços de participação em seu próprio território. O projeto “Fortalecendo Povos Indígenas” desenvolvido pelo Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria e pela Aldeco, Associação Para o Desenvolvimento Local Co-Produzido as capacita para participar de espaços políticos e pressionar por ações de combate à violência doméstica.

Foto: Acervo pessoal

Há dez anos, elas fundaram a Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará (AMICE) para “respeitar e fazer respeitar a participação de mulheres dentro do movimento indígena”(estatuto AMICE). Clécia Pitaguary explica que muitas líderes foram caluniadas quando ousaram sair das aldeias para participar das assembleias, conferências e manifestações, tal como os homens. “Houve discriminação por ela (mulher indígena) querer ocupar um espaço que só os homens tinham o direito de ocupar”, lembra.

Foi preciso, antes mesmo antes de partir para as lutas fora do seu território, que as mulheres se erguessem para mostrar sua contribuição ali, dentro da aldeia. “Quando os nossos maridos, lideranças e pajé se ausentavam da aldeia para ir em busca de nossos direitos, quem cuidava das crianças, das aldeia e da roça éramos nós mulheres. Nesse momento a nossa contribuição também estava sendo dada”, afirma ela.

Feminismo indígena pelo fim da violência doméstica

De acordo com Instituto de Estudos Socioeconômicos, as primeiras organizações de mulheres indígenas surgiram na década de 1980 e fizeram da igualdade de gênero uma pauta para entidades que representam as etnias brasileiras. Representando sua aldeias, elas foram atuantes na definição de políticas públicas de Saúde e Educação indígenas, na segurança alimentar para as tribos e também passaram a reivindicar ações de combate à violência doméstica.

Dentro da aldeia Monguba, localizada na cidade de Pacatuba, Clécia Pitaguary tem feito o que pode para proteger a vida das mulheres agredidas pelos companheiros e familiares. “Já abriguei várias mulheres que sofriam violência doméstica, já denunciei vários maridos também”, afirma a integrante da AMICE.

Recentemente, na sua comunidade o machismo tirou a vida de mais uma mulher. No dia 6 de agosto, Roseane Dantas, jovem Pitaguary, foi assassinada e enterrada no quintal de sua casa por Lucas Matias, o homem com quem era casada. Para que o assassino não ficasse impune e a morte da sua parente fosse reconhecida como feminicídio, Clécia investigou, junto com a família de Roseane, a real causa da morte e onde estava o corpo.

“Fui para a casa da família, chamei as mulheres para conversar e saber se ela (Roseane) havia desabafado alguma coisa. Uma mulher disse pra mim: ‘ele fez alguma coisa com ela, tem que procurar, o corpo dela está em algum lugar’, lembra Clécia.

O corpo foi localizado, mas o assassino só foi preso quando a própria comunidade denunciou à polícia onde ele estava. Doze dias após o crime, a AMICE organizou uma marcha em protesto e convocou as mulheres da comunidade para apoiar a manifestação. Mesmo sendo uma aldeia matriarcal, Clécia afirma que em não há consciência do risco do machismo para a vida das mulheres.

“Ainda não existe muito entendimento das pessoas sobre a gravidade e o tamanho da violência que é o feminicídio. A comunidade precisa ser trabalhada sobre essa da desvalorização da mulher e as pessoas ainda não estão abertas para isso”, percebe a líder.

Ainda enlutada, ela descreve a solidariedade que surge entre mulheres quando percebem a violência de gênero que existe. “É como se tivéssemos todas em um cordão umbilical que liga uma à outra. Na hora que uma sofre, nós sentimos a mesma dor. Nós todas somos mulheres e temos que ter essa sensibilidade de compreender a dor da outra e contribuir para aliviar seja qual for a situação que a uma mulher esteja sofrendo dentro da comunidade”, diz ela

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